Importância do Sono na Terceira Idade: como dormir melhor e proteger o cérebro, o coração e a autonomia

Importância do Sono na Terceira Idade: como dormir melhor e proteger o cérebro, o coração e a autonomia

Introdução

Dormir bem não é luxo é tratamento. Na terceira idade, o sono reparador protege memória, humor, coração, imunidade e equilíbrio. Quando o idoso dorme mal, vejo na prática: mais esquecimentos, mais irritabilidade, mais quedas, mais dores e pior controle de doenças crônicas. Cuidar do sono é cuidar da autonomia.

 

O que muda no sono com o envelhecimento?

Algumas mudanças são esperadas outras não e precisam de avaliação.
  • Arquitetura do sono: menos sono profundo (N3), mais despertares noturnos.
  • Ritmo circadiano: tendência a adormecer e acordar mais cedo (“cronotipo matutino”).
  • Homeostase do sono: maior sensibilidade a ruídos, luz, temperatura e dor.
  • Comorbidades e medicações: dor, noctúria, doenças pulmonares/cardiovasculares, antidepressivos, benzodiazepínicos e diuréticos influenciam muito.
Mudança “esperada” não significa “aceitável”. Se o sono piorou e a qualidade de vida caiu, investigamos.

Distúrbios do sono mais comuns na terceira idade

  1. Insônia (dificuldade para iniciar/manter o sono) — frequentemente multifatorial: dor, ansiedade, maus hábitos, medicações.
  2. Apneia obstrutiva do sono (ronco, pausas respiratórias, sonolência diurna) — associada a hipertensão, arritmias, AVC e declínio cognitivo.
  3. Síndrome das pernas inquietas (desconforto noturno, necessidade de mover as pernas) — piora com deficiência de ferro e alguns fármacos.
  4. Transtorno comportamental do sono REM (movimentos e vocalizações durante sonhos) — importante marcador para doenças neurodegenerativas; merece atenção.
  5. Ritmo sono-vigília irregular (cochilos longos ao dia + despertares noturnos) — comum em demência.
  6. Noctúria (levantar para urinar) — checar próstata, diuréticos à noite, diabetes, insuficiência cardíaca.

 

Sinais de alerta que pedem consulta

  • Quedas frequentes, confusão matinal, sonolência excessiva diurna.
  • Ronco alto com pausas respiratórias, dor de cabeça matinal, pressão difícil de controlar.
  • Comportamentos anormais durante o sono (gritos, chutes, “encenar” sonhos).
  • Insônia com impacto funcional (humor, memória, equilíbrio).
  • Uso crônico de “calmantes” para dormir.

 

Como abordo o sono no consultório (plano prático)

1) Anamnese detalhada + diário do sono (2 semanas).
2) Revisão de medicações (polifarmácia): reduzir sedativos, ajustar diuréticos para o período da manhã/tarde, avaliar antidepressivos/antihipertensivos que pioram o sono.
3) Tratamento da causa de base: dor crônica, ansiedade/depressão, noctúria, refluxo, DPOC, insuficiência cardíaca.
4) Educação e rotina personalizada (higiene do sono) — ver checklist abaixo.
5) Terapias de primeira linha:
  • CBT-I (Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia): comprovação robusta, inclusive em idosos.
  • Fototerapia (luz matinal) para ajustar ritmo circadiano.
  • Exercício físico (força + aeróbico), preferir manhã/tarde.

6) Exames quando indicados: polissonografia para apneia/REM behavior disorder, ferritina para pernas inquietas, avaliação urológica/nefrológica para noctúria.

7) Fármacos: uso criterioso e temporário. Evito benzodiazepínicos e Z-drugs de rotina em idosos por riscos de quedas e confusão.

 

Higiene do sono: checklist que funciona

  • Luz certa na hora certa: luz natural pela manhã; à noite, ambiente escuro e telas longe.
  • Ritual fixo: horário regular para deitar/levantar, inclusive fins de semana.
  • Cama = dormir: evitar TV/celular na cama; se não dormir em 20–30 min, levantar, relaxar e voltar com sono.
  • Cafeína/álcool: evite após o início da tarde; álcool fragmenta o sono.
  • Temperatura e conforto: quarto arejado, silencioso, colchão adequado, roupa leve.
  • Exercício diário (30–45 min), longe do horário de dormir.
  • Cochilos curtos: se necessários, até 20–30 min, antes das 15h.
  • Jantar leve e precoce; atenção a refluxo.
  • Dor controlada antes de deitar (posicionamento, analgesia orientada).

 

Sono, memória e risco de demência

Sono ruim crônico acelera inflamação, piora depuração de metabólitos cerebrais e está ligado a declínio cognitivo. Em demência, ajustar sono reduz agitação noturna, melhora o dia seguinte e alivia a sobrecarga do cuidador. Em apneia, tratar com CPAP melhora pressão, humor e pode proteger cognição.

 

Para cuidadores: o que ajuda muito

  • Rotina previsível (refeições, luz solar, atividade física leve).
  • Sinais de cansaço: não esperar “estourar”; conduzir para o ritual de dormir.
  • Ambiente seguro (grades, tapetes fixos, luz guia).
  • Evitar superestimulação noturna (visitas longas, notícias, telas).
  • Cuidar de quem cuida: pausas, sono próprio, rede de apoio.

 

Guia rápido de decisões (mini-algoritmo)

  1. Insônia nova → revisar dor, medicações, cafeína, estresse; iniciar higiene do sono + CBT-I.
  2. Ronco/sonolência → suspeita de apneia → polissonografia.
  3. Movimentos/“encenar sonhos” → considerar transtorno do sono REM → polissonografia e acompanhamento neurológico.
  4. Noctúria → ajustar diuréticos, investigar bexiga/próstata/ICC/DM; limitar líquidos à noite.
  5. Pernas inquietas → dosar ferritina; revisar fármacos gatilho; orientar higiene do sono.

 

Perguntas frequentes (FAQ)

Idoso “dorme cedo e acorda cedo”: é normal?
Tendência comum. Se não há prejuízo diurno, podemos apenas ajustar luz (mais luz matinal, menos à noite).
Cochilar à tarde faz mal?
Cochilos curtos (20–30 min, início da tarde) podem ajudar. Evitar cochilos longos/tardios.
Melatonina ajuda?
Pode ajudar em mudança de fase e latência do sono. Uso individualizado, doses baixas e por tempo limitado.
Calmantes para dormir?
Na geriatria, evito de rotina: aumentam risco de quedas, confusão e dependência. Prefiro CBT-I e medidas comportamentais.
Quando procurar avaliação especializada?
Se o sono ruim dura > 4 semanas, há ronco/pausas, movimentos anormais à noite, quedas, sonolência diurna ou impacto na memória/humor.
 
 

Modelo simples de diário do sono (7–14 dias)

  • Hora de deitar / adormecer / despertares / levantar.
  • Cochilos (horário/duração).
  • Cafeína/álcool/medicações.
  • Nível de dor (0–10).
  • Qualidade do sono (0–10).
  • Levo esse diário para ajustar o plano.

 

Conclusão

Na terceira idade, cada hora de sono bem dormida vale autonomia. Tratar dor, ajustar remédios, organizar rotina e, quando preciso, investigar com exames muda completamente o dia a dia. Sono de qualidade é investimento em memória, humor, coração e segurança.

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